O PRÓPRIO TEMPO
Ela se apresentava como um milagre. Pudera. Pensando bem, Marluce foi um milagre mesmo, jus à definição de acontecimento extraordinário, do tipo que não é explicado pelas leis naturais. Sobreviveu aos desafios na contramão do que diziam os céticos, os descrentes. Lutou enquanto pôde para, no fim das contas, partir na hora Dele. É que por aqui, uma boa lembrança, não era incomum vê-la dizendo, com a calma apaziguadora de sempre, que Deus sabe o que faz e tem seu próprio tempo para as coisas do mundo. Acreditou nisso até o último dia.
Marluce trabalhou por mais de uma década no Carbonell. No dia da inauguração do novo prédio na Vila Augusta em 2012, recepcionou os convidados; depois acabou recepcionando centenas de novos estudantes, famílias e toda nossa comunidade. Por telefone, no balcão ou mesmo em uma visita pelo colégio por onde vivia caminhando, na secretaria ou no atendimento, Marluce sempre esteve no seu próprio tempo, uma de suas características marcantes. Em tempos de crise, era o tempo de Deus que regia seus discursos. Vai passar, dizia. E seguia acreditando mesmo nos tempos de bonança: se você passar pelo que passei, vivia repetindo, nunca dirá que sua vida não é boa. E esse era um discurso que sempre nos tocava. Certa vez, Marluce disse que os médicos classificaram sua sobrevivência como milagrosa. E, orgulhosa, contava com certa frequência a história de que, por conta de sua força, havia sido até estudada por um grupo de futuros doutores.
Ontem, nossa guerreira se foi deixando por aqui, entre os colegas de trabalho, um rastro de saudade. E não é a saudade do tipo que surge pelo fato de que ela era muito presente — Marluce sempre foi muito discreta —, mas porque o recado que ela nos deixa, já dizia aquela música, ninguém deveria sequer estar disposto a desconsiderar: temos nosso próprio tempo. O tempo de viver, o tempo de unir, o tempo de respeitar, o tempo de recarregar a bateria, de desligar, o tempo da dor, o tempo da felicidade, o tempo de correr, de deitar, de brincar, de levantar, o tempo de sobreviver, de agradecer, o tempo de aprender. O tempo de Deus, como sempre.
Vá em paz, Marluce, e, de onde você estiver, que se sinta orgulhosa daqueles que entenderam seu recado, que vivem, respiram e aproveitam o próprio tempo. Como você, como um verdadeiro milagre.
Um abraço, amiga.